“A vaidade e o orgulho são coisas diferentes, embora as palavras sejam frequentemente usadas como sinônimos. Uma pessoa pode ser orgulhosa sem ser vaidosa. O orgulho se relaciona mais com a opinião que temos de nós mesmos, e a vaidade, com o que desejaríamos que os outros pensassem de nós.”
Com uma estrutura cheia de conflitos, desenvolvida a partir da relação tempestuosa entre homens e mulheres, Jane Austen elabora um clássico da literatura inglesa. Orgulho e Preconceito, publicado pela primeira vez em 1813, traz questões que desafiam noções de estereótipos, modelos sociais e questionamentos que ainda hoje são e devem, cada vez mais, ser desenvolvidos.
A trama é ambientada no século XIX, quando a mulher deveria entender e honrar o papel a ser desempenhado na sociedade. Somos apresentados, de forma bucólica, à protagonista da trama, Elizabeth Bennet (Keira Knightley): uma jovem à frente do próprio tempo, questionadora da sociedade britânica em uma época machista e conservadora. Inteligente e indagadora, a personagem é construída de forma perspicaz, o que fica evidente nas falas da moça. Educação, cultura, moral e os interesses da aristocracia fazem parte do cenário dos conflitos que permeiam a narrativa.
A autora do livro conseguiu guiar os leitores por diversas emoções. Muitos dizem que Jane Austen tinha uma postura bastante conservadora, mas que já escrevia, mesmo que superficialmente, sobre a busca da mulher por maior participação na sociedade. Fica claro no livro e também na produção cinematográfica de 2005 que, independentemente das origens sociais, a partir do momento em que nascesse, a mulher passava a ser definida pelo casamento. Quanto mais vantajoso o matrimônio, mais bem vista ela seria dentro da comunidade. Em uma família de cinco mulheres, nada mais relevante que entendermos as perspectivas de casamento de cada uma, sentimento enfatizado pela Srta. Bennet ao longo do filme.
Tanto no livro como na adaptação para o cinema, a ironia é essencial para que a proposta de Jane Austen seja alcançada. Elizabeth Bennet é “alegre e sincera” e até “impulsiva” ao julgar ações alheias, característica que se destaca no enredo. Fitzwilliam Darcy (Matthew Macfayden), um homem de aspecto obtuso, mas descrito como “bonito” e “inteligente”, é o protagonista masculino, socialmente bem-sucedido e culto. Sr. Bennet (Donald Southderland), patriarca da família, relaciona-se bem com as filhas, em especial Elizabeth. Igualmente culto e inteligente, atende aos desesperos da esposa e matriarca, Sra. Bennet. Esta, dedicada e ansiosa, expõe-se constantemente ao ridículo, nos momentos cômicos e irônicos do romance, com o objetivo de garantir bons maridos para as herdeiras.
Há ainda outros personagens importantes para o compor o quadro conflituoso da família e do romance: as irmãs Jane, Mary, Catherine e Lydia, além do clérigo William Colins e da aristocrata Lady Catherine de Bourgh (Judi Dench). Ao longo do filme, parece óbvio decifrar quem seria a personificação do orgulho e quem representaria o preconceito, mas percebemos o quão mistos e complexos são esses conceitos, não só no ambiente da narrativa, mas ainda nos dias de hoje.
Os debates sobre o papel da mulher, deveres e direitos, dentro de uma sociedade são até hoje motivos de conflitos e mobilizações. Temos na história a representação de um período em que a figura pública da família era o homem, enquanto a mulher ficava relegada ao privado. A afetividade das relações estava ligada às alianças e aos acordos familiares, sendo o homem o chefe de família, ícone responsável por assegurar a coesão indispensável para a manutenção do patrimônio e da honra familiar.
Com uma produção hollywoodiana, seria quase impossível tentar elencar um conjunto de cenas que fugissem da mesmice de um filme que também trata do amor. As filmagens ao ar livre mostram com ênfase o horizonte, o que pode direcionar a leitura do espectador como algo que remete ao quão distante está a liberdade de uma mulher daquela época. Cenas em plano-sequência ambientam a casa, o então abrigo da mulher. Mas mostram também o quão claustrofóbico é esse espaço, assim como a sociedade que o abarca. Jane Austen, ciente desse sufocamento, já traçava algumas linhas para fazer a sociedade pensar na caótica vida da mulher nesse modelo. Quase dois séculos depois, essas questões ainda precisam ser veementemente debatidas.
Jane Austen, tanto em Orgulho e Preconceito como em outros romances, explorou a situação penosa da mulher com base no que o aquele tempo e aquela sociedade permitiam. A autora coloca as mulheres numa situação de combate e questionamento social de forma irônica e inteligente. A direção de Joe Wright peca em alguns aspectos mas mostra, com exageros necessários, a importante crítica da idealizadora da obra: mulher, solteira e amante.