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Annie Hall e o romance contemporâneo

“Alvy, você é incapaz de apreciar a vida, sabia? Quero dizer, você é como Nova Iorque. Você é apenas essa pessoa. Você é como uma ilha para si mesmo”. É assim que Annie Hall (Diane Keaton) descreve Alvy Singer (Woody Allen). Egocêntrico, frenético, narcisista e impessoal: esses são alguns adjetivos que podem servir de descrição para o personagem. Ele é um comediante de standup frustrado, com relacionamentos fracassados e dois divórcios. Quando conhece Annie, pensa ter encontrado o grande amor.

No filme Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall, 1977), o protagonista é interpretado por Allen, que também dirigiu e coproduziu o roteiro. A obra conquistou quatro Oscars: Melhor Filme, Melhor Atriz, Melhor Diretor e Melhor Roteiro.

O título brasileiro pode causar uma impressão errada sobre o filme. Na história, não é retratado um casal de noivos, mas sim de namorados. O título original, Annie Hall, também nome da personagem, foi escolhido em homenagem a Diane Keaton, com quem o diretor teve um relacionamento. O nome de batismo da atriz é Diane Hall, e ela era chamada de “Annie”. O filme é uma declaração de amor, e a ficção traz semelhanças com momentos que eles viveram juntos.

Alvy Singer tem uma visão pessimista da vida, e é incapaz de ver coisas boas nela. Só de pensar que alguém está passando fome, por exemplo, ele não consegue ficar bem. Morte é um tema que lhe desperta grande interesse, e os livros que compra tratam sobre esse assunto. É um típico nova-iorquino com suas neuroses: faz terapia há 15 anos, se incomoda com a alegria dos californianos, os acha superficiais e vazios de preocupações importantes.

Annie Hall é uma insegura cantora em início de carreira, e não se adapta bem a Nova Iorque. Devido a algumas atitudes de Alvy, principalmente a insistência para que ela faça cursos na faculdade, Annie sente que ele não a considera suficientemente inteligente. Com a ajuda da terapeuta, paga pelo namorado, a personagem começa a entender melhor os próprios sentimentos. Ela se apaixona pelo modo de vida californiano, muito diferente do nova-iorquino, o que contraria o comediante.

Logo no prólogo, nota-se o caráter auto-reflexivo da história por vir. Nele, no epílogo e na cena que conta com a participação de Marshall McLuhan, renomado teórico da comunicação de massa, Allen realiza a então atípica quebra da “quarta parede” do cinema. Alvy, para afirmar seu ponto de vista, fala enquanto olha diretamente para a câmera, de modo a dialogar com o espectador.

Essa não é a única técnica não convencional para a época que o diretor utiliza. A narrativa acontece de forma não-linear, ou seja, o tempo flui de acordo com as lembranças do protagonista, e não cronologicamente. Quando Singer conta sobre o interesse que tinha, na infância, pela madrasta da Branca de Neve, uma cena em animação é introduzida. Em momentos de flashback, o comediante e Annie participam como plateia das memórias compartilhadas, enquanto as comentam e analisam.

Nas cenas em que os dois protagonistas estão em sessões de terapia e na que jantam na Páscoa, o diretor recorre à splitscreen, técnica na qual a tela é dividida em duas ou mais partes, não necessariamente proporcionais. Nesse momento do filme, a tela é bipartida. Na primeira cena, são mostradas as diferentes versões de ambos sobre o relacionamento. Já na segunda, uma parte da tela apresenta uma refeição na família de Alvy, judia e bastante interativa; na outra, os familiares de Annie falam sobre superficialidades, e a avó da personagem enxerga o comediante como um estereótipo de judeu.

Noivo Neurótico, Noiva Nervosa é uma profunda análise dos relacionamentos humanos: no início, o sentimento é intenso e possíveis atritos são evitados; mas, à medida que a intimidade aumenta, os problemas surgem. A narrativa retrata um homem predominantemente racional, e até controlador. Porém, o comediante se demonstra contraditório em algumas situações. O primeiro beijo do casal ocorre de forma programada por Singer, ao invés de um impulso emocional. Inicialmente, ele incentiva Annie a fazer cursos; porém, ela se aproxima do professor e, então, Alvy passa a desaprovar o que antes apoiou.

O filme mostra que a egoísta necessidade humana de satisfação própria, um tanto narcisista, pode destruir um relacionamento. Alvy, aos poucos, sufoca a amada com exigências e idiossincrasias. Com o tempo, Annie nota as implicações que as atitudes do namorado têm sobre ela, e passa a se compreender melhor. A personagem sofre um crescimento pessoal e, assim, está pronta para seguir em frente. Já Singer tem dificuldade em analisar o próprio comportamento, para entender o que fez de errado. Apesar de ter sido lançada em 1977, a obra mostra um tema que até hoje é contemporâneo, pois tange interesses e inquietações quase universais.

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