Blade Runner foi um dos primeiros, e um dos maiores, clássicos cult da história do cinema. Intimista, lento e filosófico, foi um grande fracasso de público. Pouco adiantou a presença do Harrison Ford e do Rutger Hauer, ambos em alta na época, ou a direção do inglês por trás de Alien – O Oitavo Passageiro. A qualidade foi reconhecida mais tarde com reprises e o lançamento em VHS.
Em 2019, a humanidade desenvolveu os replicantes, um misto de robôs com seres orgânicos que são mais fortes e inteligentes, para trabalhar em colônias distantes. Para controlá-los, a vida deles dura apenas quatro anos. Devido a rebeliões de replicantes, a presença deles na Terra é ilegal. Para capturá-los, um esquadrão de elite chamado Blade Runner foi criado. Deckard (Ford) é um Blade Runner que vive em Los Angeles e recebe a missão de “aposentar” quatro replicantes que entraram na Terra.
Apenas pela sinopse, parece uma ficção-científica de ação comum. Mas Ridley Scott, o diretor, não queria fazer uma obra movimentada ou divertida. O objetivo era aproveitar o contexto fantástico para explorar dramas e questionamentos humanos. O roteiro simula um policial noir em um futuro tecnológico cheio de iluminação, mas passa rápido pela parte de investigação por que o foco não é esse. O destaque vai para diálogos muito bem escritos nos quais tanto replicantes quanto os humanos se questionam sobre as condições deles. Num dos melhores momentos, um homem fala que os replicantes são objetos. A resposta da replicante Pris (Hannah) é “Penso, logo existo”.
A reflexão vai para todos os lados. Medo da morte, questionamento sobre o que faz com que algumas pessoas sejam consideradas inferiores, o que categoriza vida, matar um replicante é ser assassino? É profundo, complexo e não tem respostas. Não é feito para isso. Scott quer provocar e fazer com que as pessoas reflitam um pouco mais sobre a vida. O estilo noir serve para esses questionamentos. Ele normalmente envolve personagens com frases de reflexão e muitos momentos de silêncio. Em paralelo à busca de Deckard, o texto acompanha o replicante Roy (Hauer) em busca do criador e o relacionamento do protagonista com Rachael (Young). Ela descobriu recentemente que é um protótipo de replicante que possui memórias de humano.
O diretor de fotografia Jordan Cronenweth coloca fortes luzes por trás dos atores com fontes leves de frente. Eles ficam parte na sombra, com um tom de neblina e formam imagens lindíssimas. Acrescentam ao clima noir e aos questionamentos soturnos e, com frequência, escondem pequenas dicas visuais do que acontece. Duas luzes atrás de Pris quando ela aborda uma futura vítima se assemelha a olhos de um felino predador. Deckard foge de Roy e se choca com uma parede por onde vazam fortes feixes de luz. Ele não pode se esconder e está sempre sob a vista do perseguidor.
Scott usa de pequenos truques para contar a história e dar dicas sobre a verdadeira natureza de Deckard. Com um truque de irradiação de luz, faz com que os olhos dos atores tenham uma leve cor avermelhada dentro da pupila. Só usa isso nos replicantes e, em uma cena rápida, sugere no Deckard fora de foco. Os replicantes possuem pequenas movimentações e truques que os fazem parecer inumanos. Pris se move como um gato, Roy uiva e se movimenta como um caçador e a Rachael parece imóvel, levemente etérea em meio a fumaças e ao contraluz.
A direção de arte cria um ambiente urbano escuro, com pequenas luzes nos prédios e um céu escondido pela fumaça. Na cena de abertura, a Terra parece estrelada e o espaço parece o breu puro. Ver a câmera se mover pelas maquetes dos prédios futuristas parece uma versão realista de animações como Ghost in the Shell. A trilha sonora do Vangelis evoca uma espiritualidade que combina o filosófico com o noir.
Harrison Ford é um grande ator, mas o estilo pessoal dele não combina com o de Deckard, nem com o do filme. Ele nunca parece apropriado para a produção. A Sean Young era dona de uma beleza hipnótica, mas muito além disso, é uma atriz inteligente e talentosa. Expressa muito com o olhar estático. O Rutger Hauer é o dono do filme. Desde os mínimos detalhes como os ruídos bizarros que produz até o monólogo improvisado que gerou o texto mais famoso do filme. A Daryl Hannah também está ótima, mas não faz muita coisa.
Vale destacar que a versão assistida foi a chamada Versão do Diretor, de 1991. Não conta com a narração forçada do Harrison Ford, com a chegada a um lugar feliz no final e nem com a explicação de que Rachael pode viver mais de quatro anos. Além disso, pequenos detalhes acrescentados aumentam o indício de que Deckard também é replicante, mas essa discussão para mim é apenas vazia. O filme é muito maior.
ALLONS-YYYYYYYYYY…